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FÓSFOROS E JORNALISMO

Eram 5h30 da manhã. Inverno. A cabine fria do caminhão de Edgar ficou ainda mais fria pela insônia da noite. Parado num posto próximo a São Paulo, Edgar, um caminhoneiro de Santa Catarina, “puxava” uma carga de fósforos – “perigosa”, dizia seu amigo Angelo. Só se for para os fumantes moribundos, disse o chefe do armazém, sorrindo amarelo (provavelmente pelos anos de fumante que acalentava).
Agora, com a xícara de café próxima da boca, Edgar pode esquecer a palavra moribundo. Seu pai, Antonio, havia morrido de câncer no esôfago meses atrás, e de toda a vida próxima e feliz com o seu pai, o que Edgar não esquecia era a súplica de seu pai nas suas últimas três noites para que dessem um cigarro para ele. Naquela noite, na boléia fria de seu caminhão, Edgar acordava em sobressaltos a poucos centímetros de realizar o último desejo de seu pai.
A viagem ia ser longa, para Caicó, no Rio Grande do Norte, e o seu pensamento, já engatando a marcha, era de que esses fósforos serviriam para acender velas, fogões e lampiões, até imaginando uma cidadezinha pequena no Rio Grande do Norte.
Às 6h50 da manhã, na Marginal de um rio – a mais movimentada do país – chamado Tietê, todas aquelas epifanias e sentimentos de culpa em Edgar embaralhavam o seu consciente e o inconsciente, travando uma batalha épica pelo real e imaginário. E Edgar, alimentando ódio e desilusão com a sua carga, foi acordado aos gritos de seu quase sono profundo, mesmo a 60 km/hora.
As pessoas no ônibus do lado gritavam “fogo!”, e o caminhão de Edgar, antes de passar embaixo da ponte da Freguesia do Ó, tomba por um movimento brusco no volante, causando naquela manhã de inverno 56 km de congestionamento.
A imagem ainda era turva, o fogo queimando a maioria das caixas de fósforos, pessoas que passavam pela área remexiam a carga ainda quente em busca de fósforos inteiros. Edgar, sentado no meio fio, pensava se estava sonhando ou acordado, se aquilo era real ou ficção, se era um “fato jornalístico” ou uma história doida de José Candeia, um contador de histórias de curitibanos, “amigo de padaria” das manhãs de Edgar. Para Edgar, se aquilo era real o desejo de seu inconsciente havia se realizado, queimando os fósforos e aplacando a culpa que ele sentia.


CAMINHÃO COM FÓSFOROS PEGA FOGO

CAMINHÃO COM FÓSFOROS PEGA FOGO E FECHA MARGINAL TIETÊ POR 2 HORAS

Acidente causou congestionamento de 18 km na via, no sentido Castello Branco

COLABORAÇÃO PARA FOLHA

Um caminhão que transportava uma carga de caixas de fósforo pegou fogo ontem e interditou a via local da marginal Tietê na ponte da Freguesia do Ó (zona norte) por mais de duas horas. O incêndio começou às 6h50 e foi controlado por três equipes de bombeiros. O tráfego só foi liberado por volta das 9h. Não houve feridos.
O acidente causou congestionamento de 18 km na marginal, no sentido Castello Branco, segundo a CET (Companhia de Engenharia de Tráfego).
Das 6h às 12h, também foram registrados 38 acidentes, 55 veículos quebrados e uma manifestação. A série de incidentes provocou lentidão em diversos pontos da cidade. Às 11h, havia 95 km de vias congestionadas – anteontem, no mesmo horário, eram 56 km.
O motorista do caminhão, Edgar Macado, 30, que saiu de Curitibanos (SC) e seguia para Caicó (RN), foi alertado sobre o incêndio por passageiros de um ônibus quando passava pela ponte da Freguesia do Ó.
O fogo se alastrou tão rápido pela carga de 23 mil quilos de fósforos que ele diz só ter tido tempo para pular da cabine. “Não faço ideia do que aconteceu. “Puxo” fósforo a minha vida toda, nunca vi isso acontecer.”
Após vistoria da CET, a empresa responsável pelo veículo e pela carga e o motorista foram autuados por descumprirem a legislação de transporte de produtos perigosos e terão de pagar multa em torno de R$ 4.500.
Pessoas que passavam pela área aproveitaram para saquear as caixas de fósforos que não haviam queimado.

Reflexos
Há dois mês, dois acidentes envolvendo o rompimento de tubulação de gás na marginal Tietê, também no sentido Castello Branco, causaram lentidão em vários pontos da cidade.
Jaime Waisman, professor de engenharia de transportes da USP, explica que problemas na marginal têm reflexos em grande parte de São Paulo, já que a via é um dos principais pontos de escoamento de cargas do país.
“A marginal concentra muitos veículos de carga de várias partes do país, é a “rodoviária do Mercosul”. Estima-se que 700 mil veículos, entre carros, caminhões e ônibus, passem por ela diariamente”, afirma.

Publicado na Folha de S. Paulo, Cotidiano, 07/08/09


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